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Enfim, o Topo - A chegada de Karina Oliani no cume do k2

Enfim, o Topo - A chegada de Karina Oliani no cume do k2

Aventura

Após tentar o cume do K2 e ter que desistir devido uma avalanche, nossa equipe se encontrava no acampamento base se preparando para descansar. Nossa ideia era descansar pelo menos 5 noites pois tínhamos tido um gasto calórico enorme de pelo menos 10 mil quilocalorias. Tínhamos muitas dúvidas de como nosso corpo iria lidar com uma segunda tentativa ao cume do K2, logo na sequência. 

Lembro que nas 2 vezes que subi o Everest em 2013 e 2017, fiquei exausta e precisei de uma semana dormindo e comendo para me recuperar. Nem eu nem o Max sabíamos como os nossos corpos iam responder a um descanso de apenas 3 dias, para tentar a montanha mais perigosa da Terra e subir tudo novamente. 

Nossos rostos estavam queimados e cortados, devido a tantas semanas de radiação UV, frio e ar tão seco nos castigando. Em montanhas tão altas a atmosfera é muito fina e não consegue filtrar muita radiação UV. Além disso tem a neve branca que reflete boa parte dos raios. Por isso temos que lidar com 15 a 20 vezes mais UV do que o Brasil. Minha boca estava toda destruída, assim como a pele. A minha dermatologista não ia ficar muito feliz de me ver na volta.


Após tantos dias na montanha ficou evidente o quanto cada um perdeu peso. Nossa logística ao K2 era compartilhada por 15 alpinistas do mundo todo e todos estavam bem mais magros do que uma semana antes, quando subimos para tentar o K2 pela primeira vez. Conheci todos eles no auge da forma física, homens e mulheres fortes. Após a primeira tentativa, porém, cada um tinha perdido de 5 a 10 quilos de músculos. A base parecia uma zona de guerra, não só por causa das pessoas que tinham acabado de voltar, mas pelos helicópteros que iam e voltavam, evacuando pessoas e logística dos que não queriam tentar o K2 pela segunda vez.

Eu e Max éramos uns dos poucos que estavam tentando o K2 pela primeira vez. A maior parte das pessoas que dividiam o acampamento base com a gente já tinha tentado o K2 outras vezes. Alguns deles já tinham tentado 2 vezes, outros já tinham tentado 4 vezes e não tiveram sucesso! Para muitos deles, tratava-se apenas de mais um ano ruim, que não ia dar para tentar o cume. Também não era por pouco, tivemos muitas tempestades no começo da expedição e parecia que aquele ano não seria bom. Após esse grande êxodo que o K2 teve, sobraram 19 alpinistas para a segunda tentativa. 


Grandes nomes como Mike Horn - um grande explorador, uma verdadeira lenda viva - tinham acabado dar meia volta e descer. Começamos a nos perguntar se realmente teríamos sequer uma chance de tentar.

Havia uma vibe muito ruim e muito tensa no ar. Todo mundo que ficou, ficou se perguntando se realmente estava tomando a decisão certa. Pessoas estavam impacientes e introspectivas. Pouco se falava fora assuntos como previsão do tempo, quantidade de neve e sobre os nomes que desistiram.

Foi ali que aprendi que as coisas podem ficar bem piores do que eu sequer desconfiava: No almoço, após passarmos o primeiro dia descansando, chegou a notícia de que teríamos que tentar o cume no dia 25 de julho. Ou seja, só teríamos 2 noites para descansar e voltar para 8000m.

Se tem algo que aprendi com tantas expedições para tantos lugares diferentes na minha vida, foi que as coisas só dão certo se você conseguir achar otimismo, mesmo dentro do caos. E foi exatamente isso que conseguimos fazer. Passei a lembrar do quão difícil que foi conseguir fazer essa expedição acontecer. Foram 4 anos tentando viabilizar a expedição até que finalmente tinha dado certo e eu tinha a chance de pelo menos tentar. Pensei em todas as pessoas que acreditaram em mim e tudo o que deu certo para eu estar ali. Provavelmente eu não teria outra chance de tentar o K2. Eu tinha que encarar o que estava acontecendo e lidar com isso com o maior otimismo possível. Desistir nunca passou pela minha cabeça e não é algo que me agrada.


A vibe ruim nos deixou mais fortes. Decidimos nos afastar de todo aquele caos e subir logo para concentrarmos somente na montanha. Decidimos subir devagar e ir de acampamento em acampamento e tentar o cume no dia 25 de julho. Confiantes, começamos organizar nossas coisas, sem deixar nossas mentes focarem nas incertezas.

Não éramos os únicos a focar no otimismo. Durante o nosso breve descanso entre tentativas, chegou um grupo de 5 nepaleses muito fortes que estavam decididos a subir o K2. Tratava-se do grupo de Nirmal Purja (Nims Dai) e seus 4 sherpas que estavam tentando escalar as 14 maiores montanhas da Terra em 6 meses. O projeto de escalar estas montanhas já foi feito por pelo menos 120 pessoas. Nenhum deles sequer cogitou subir todas essas montanhas em 6 meses. Eles tinham acabado de escalar o Nanga Parbat de 8125 metros, e o Broad Peak de 8035 metros.

Otimismo e determinação era o que a base do K2 precisava. Ao chegar, os nepaleses contaminaram todo mundo com essa vibe boa. O forte grupo de Nims aceitou o desafio de fixar o trecho de corda que tinha sido levado pela avalanche. Essa notícia nos fortaleceu muito e trouxe uma luz no fim do túnel. Uma chance palpável de alcançar o cume do K2.

Magra, cansada, queimada, mas cheia de esperança, saí na manhã do dia 20 de julho em direção ao K2. Fomos conversando sobre outros projetos e sobre o que iríamos fazer quando chegássemos ao Brasil. Chegamos à base avançada no fim de tarde com tempo de ver um pôr do sol espetacular.

Foram mais 4 dias até que poderíamos passar do ponto onde tivemos que desistir na última tentativa. Apesar de estarmos bem positivos, o cansaço acumulado de tantos dias começou a pesar. A subida do trecho final para o Acampamento 4 foi bem difícil. Descansamos apenas 5 horas no acampamento 4 antes de sair para o cume. A estratégia era acordar 8 da noite, preparar o equipamento e sair por volta das 9 da noite montanha acima. Depois escalar por toda a noite, madrugada e chegar ao cume por volta do amanhecer.


Depois de passar dos 8000 metros de altitude entendi porque o K2 é a montanha mais difícil da Terra; ele não dá trégua! Não havia um lugar plano sequer. A montanha era vertical o tempo todo e não havia possibilidades de descanso. Em todas as partes que eu estava cansada ou não estava concentrada, tinha que me preocupar em não jogar gelo na pessoa que vinha atrás de mim. Foi uma escalada intensa, no escuro e vertical o tempo todo.

A adrenalina fluindo pelo meu corpo me fez focar na pequena janela de visão do que eu estava fazendo e pouco pude ver da paisagem. Por volta da meia noite percebi um céu mais escuro montanha acima, não entendi exatamente se era uma nuvem naquela noite de lua quase nova.

Me aproximar do famoso e temido Bottleneck, a parte mais mortal do K2, foi realmente intimidador. Localizado a 8300m, basicamente um grande glaciar de inclinação negativa que tivemos que contornar. Ele é tão, mas tão grande, que produz uma grande sombra, mesmo à noite.

O gelo no bottleneck era extremamente duro e muito difícil de progredir. Tive que escalar um trecho bem íngreme de pelo menos 100 metros de desnível. Não havia uma forma de descansar nesse trecho de gelo vítreo. O mais "fácil" era continuar escalando e passar esse trecho o mais rápido possível. Caí algumas vezes. Nunca vou esquecer o barulho dos meus cranpons cravando naquele gelo. Parecia estar quebrando vidro a cada passo.

Estávamos a noite toda escalando e ao chegar no topo da crista deu para ver que um dos cumes claramente era mais alto que os outros. Mal podia acreditar que aquilo era o cume do K2! Como tudo na altitude demora muito mais do que estimamos, este trecho também demorou.



Nos últimos metros o dia começou a nascer. Exatamente na mesma velocidade que nos aproximávamos do cume o sol raiava no horizonte infinito! Eram 4:45 da manhã do dia 25 de julho de 2019 quando percorríamos os últimos 10 metros até o ponto mais alto do cume!

Não há palavras para descrever este momento. Não há câmera que consiga registrar este momento. Esse nascer do sol vai ficar registrado na minha mente para o resto da minha vida! Quando estava dando os últimos 2 passos até o cume, vi uma cena mais indescritível ainda! Vimos a sombra do K2 projetada no horizonte, por centenas de quilômetros. É um momento de felicidade indescritível. Não sabia se olhar para o espetáculo da grande pirâmide escura da sombra do K2, se olhava para o lindo nascer do sol, ou se pensava no fato de eu estar conseguindo pisar no cume do K2! Foi mágico e certamente é um momento que levarei para vida toda.


 
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