Antes da expedição, não éramos adeptos de campismo, nunca havíamos puxado um trailer, nunca tínhamos observado um ciclo lunar inteiro, não sabíamos bem o que fazer caso torcêssemos um pé numa trilha ou cruzássemos com uma cobra. Visitávamos parques e fazíamos trilhas sempre que possível, mas faltava uma profundidade no conhecimento daquilo tudo que nos rodeava, ainda éramos estrangeiros na natureza.
Foi em trilhas onde tivemos nossos melhores momentos e nossas maiores brigas: grandes reflexões e decisões surgiram após um dia na trilha. Foi em um parque nacional onde celebramos nosso casamento com nossos amigos. Foi caminhando e observando os parques onde tivemos grandes conquistas, como alcançar um pico, ver um animal, perceber uma flor, um cheiro, entender uma relação causa-efeito.
Havia algo no ambiente natural que nos atraía cada vez mais, talvez a vontade de deixar de ser estrangeiro, nos naturalizar como seres da natureza.
Uma psicóloga junguiana que terminou sua formação em Barcelona, especializou-se em casais e famílias. Praticante de um método não verbal chamado sandplay, vinha atuando não somente como terapeuta, mas também como supervisora de outros terapeutas em seu consultório. A caçula de uma família de mineiros que veio para São Paulo nos anos 80.
Um economista do mercado financeiro, um Faria-Limer que passou um tempo trabalhando em Amsterdã, aprendeu chinês, fez um dos top MBAs do mundo em Hong Kong e geria as siglas e termos mais sexy do momento: CRM, Big Data, Machine Learning, Ciclo de Vida. O quarto filho de uma família de chilenos que vieram ao Brasil nos anos 70.
Esse era nosso histórico e tínhamos sucesso, oportunidade e perspectiva de nos manter nas profissões que havíamos construído. Continuaremos sendo uma psicóloga e um economista, essa é nossa bagagem e com ela saímos para ser exploradores de parques nacionais, inspirados, inicialmente, em naturalistas e viajantes como Darwin, Humboldt, Saint-Hillaire, Mário de Andrade e John Muir.
Saímos em busca de uma proximidade maior com a natureza e temos nos deparado com pessoas e histórias tão interessantes, que se complementam com a grandiosidade e generosidade da natureza. Hoje somos diariamente inspirados por pessoas com quem temos oportunidade de conhecer e conviver: moradores do entorno, gestores de reservas, donos de campings, outros montanhistas e caravanistas, chefes de parques, guias, brigadistas de incêndio, fotógrafos, pequenos empresários e pesquisadores (para citar alguns).
Quem frequenta trilhas sabe que leva um tempo até equilibrar as vibrações e efetivamente sentir os benefícios do lugar onde você está inserido, fisica e psicologicamente. Você não entra numa floresta e imediatamente consegue enxergar os diferentes tons de verde, você não vai a um campo de cerrado e já vê as micro flores. É preciso tempo para observar e se conectar.
Na nossa expedição não poderia ser diferente, mas em outra proporção. Lá se foram os dois primeiros meses da expedição e ainda temos dificuldade em explicar porque estamos fazendo isso. É um misto de curiosidade, desafio, sonho, atração inexplicável, que somente conseguiremos explicar após viver isso tudo.
No entanto, não temos dificuldade em perceber os efeitos em termos de conhecimento e conexão, individualmente e como casal.
Coisas simples, como ouvir um pássaro voando e, sem olhar, saber que é um tucano; expandir o conhecimento do céu para além das fases da Lua e entender a movimentação das estrelas sem procurar no Google; ser chamado para conhecer uma bananeira que dá dois cachos por vez; comer ovos caipiras com casca azul; saber onde pode ter carrapato.
Coisas complexas, como conversar com uma pessoa prestes a desmatar sua propriedade e cimentar uma cachoeira; ver o dia a dia de um chefe de parque para contratar e manter brigadistas em campo; entender que o fogo vem do homem e que apagar o fogo leva recursos que poderiam ter sido destinados a fomentar o ecoturismo; passar por campos e plantações a perder de vista a caminho dos parques, pequenas ilhas de biodiversidade em meio à monocultura e pecuária.
Desde junho vivemos em um trailer e estamos em uma expedição para conhecer todos os parques nacionais brasileiros: são 74! Um grande desafio, inédito neste formato, que esperamos realizar ao longo de três anos. Não queremos ser únicos e exclusivos, saímos nesta expedição para agregar conhecimento e, quem sabe / tomara, inspirar outras pessoas a se reconectar com a natureza. Cada uma a seu modo e de acordo com suas vontades e possibilidades.
Não há planeta alternativo e sem um ecossistema equilibrado a humanidade corre risco. Não há receita de bolo, mas acreditamos que pequenas ações de cada um somam-se numa força poderosa para reverter a tendência de aquecimento global, contaminação de água, escassez de alimentos, entre outros.
A sociedade evoluiu para garantir a proteção à vida de cada um de nós, humanos. Cabe a nós, com esse direito garantido, extrapolar para além dos humanos, conservar o que nos resta e procurar recuperar parte do que foi perdido. Somos parte da natureza para o bem e para o mal, dela dependemos para continuar vivendo.
Somente conservamos o que conhecemos. Se nos dedicarmos a conhecer o que nos fez chegar até aqui e o que nos sustenta, passaremos a conservar a natureza como algo nosso e não como estrangeiros. Esse conhecimento não é nada penoso de adquirir, muito pelo contrário.
O Brasil tem hoje 74 parques nacionais em todas as regiões do país e com todos os biomas representados, exceto Pampas. Os parques nacionais são unidades de conservação que têm, por Lei, como "objetivo básico a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico."
Saiba mais sobre os parques, quais são, onde estão e seus objetivos em https://entreparquesbr.com.br/parques-nacionais/
Veja os relatos dos parques pelos quais o casal já passou no Instagram @entreparquesbr ou no blog https://entreparquesbr.com.br/parques/
Para saber mais sobre a Lei que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, acesse http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9985.htm