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A falta que você me fez

A falta que você me fez

Aventura

Ou: a importância de ter o seu SPOT X sempre à mão (mesmo em trilhas que você considera simples)

Janeiro, férias, sol, verão. A combinação perfeita. Chamei a família e fiz a proposta: que tal a gente passar uns dias em Florianópolis? Felicidade geral. Lá é um dos nossos destinos prediletos: a neta caçula tem várias pistas de skate pra treinar, a mais velha pode curtir a praia, a filha iria ver o irmão, minha esposa iria ficar curtindo a piscina e a família reunida…

E eu? Eu, bem, eu iria colocar em ação um plano que venho cultivando há anos: dar a volta na Ilha da Magia. Andaria por volta de 30 quilômetros por dia e voltaria para o apartamento no início da noite. No dia seguinte pegaria um Uber até o local onde havia parado e caminharia até onde o destino me levasse, explorando praias secretas, mirantes, trilhas.

Tudo perfeito. Tão bem arranjado que já saí no dia seguinte à nossa chegada. Na mochila, o básico: uma toalha sintética, protetor solar, óculos de sol, três litros d’água, meu drone, o celular com a trilha salva em um aplicativo, uma capa de chuva, um quebra-vento, uma lanterna de cabeça, um powerbank, um airtag da maçã. O SPOT X? Eu achei que não fosse precisar e deixei em casa. Afinal, eu estava numa capital, com casas por todos os lados, inserido na civilização. Eu teria sinal de celular o tempo todo! Levar o SPOT X por quê?

Acordei às cinco e subi a praia do Campeche rumo à Joaquina. Passei a pequena Praia do Gravatá, cruzei a Praia Mole e cheguei no início da tarde da Praia da Galheta. Olhei o aplicativo: 19 quilômetros, trilha difícil até a Praia da Barra, cinco horas de caminhada. “Chego antes das sete. Ando rápido. Vai rolar”, pensei comigo.

Até ali tudo como previsto: sinal de celular, minha esposa viu onde eu estava e ficou tranquila. Mas foi a partir daí que a porca torceu o rabo. Operadora nenhuma funcionava. E a trilha era uma escalaminhada lenta e sofrida pelas pedras do costão. Divertido? Sim. Perigoso? Mais ainda.

Quando a tarde foi caindo, vi que dificilmente chegaria ao final antes de anoitecer. Tentei caminhos alternativos, que só me tiravam mais da “trilha” e me jogavam para a flora de gravatás (Bromelia antiacantha), com folhas grandes e espinhentas. Impossível passar.

Voltei para as pedras: mesmo que demorasse um pouco mais, acabaria chegando ao meu destino se continuasse por ali.     
  


Quando o relógio marcou 20h30, eu já estava no meu limite. Caminhava desde as 5h30 da manhã. Tinha andado por praias, subido e descido rochas, improvisado rapel em cordas, atravessado matagais de gravatás que deixaram minhas pernas arranhadas e escalado pedras sem luvas, o que machucou as minhas mãos. E agora, diante de mim, erguia-se um paredão de 100 metros. Subir? Nem pensar. Voltar? Na escuridão, era ainda mais arriscado. Restava-me uma escolha: passar a noite ali e torcer para que o vento e a chuva fossem misericordiosos.

Neste momento minha família já estava começando a se preocupar. Quando chegou a madrugada já haviam ligado para os hospitais da região. Nosso único contato na ilha, meu sobrinho e sua família, estavam na Itália e ligar pra eles na madrugada estava fora de questão. Enquanto eu passava a noite olhando as nuvens se moverem, as estrelas aparecendo e sumindo encobertas e ficava tentando imaginar o que meus familiares estariam pensando, na cidade eles se movimentavam. Na manhã seguinte, enquanto um ia na delegacia fazer uma ocorrência de desaparecimento, outra entrava em contato com os bombeiros e grupos de caminhantes da região. Afinal, o último sinal emitido pela airtag da maçã havia sido na Praia da Galheta, às duas da tarde. Depois daquilo, nada. Eu poderia ter escorregado e caído no mar, ter sido mordido por uma coral, assaltado, me perdido.

Mas nada disso tinha acontecido. Minha noite tinha sido tranquila e eu estava tentando, desde o clarear, vencer o paredão. Às 8h30 me dei por vencido e decidi voltar, tendo como meta chegar à praia antes do meio-dia. Cheguei um pouco antes. Assim que o celular deu sinal, liguei para a minha esposa. Ela não respondeu. Liguei para a neta mais velha: “Vô! Onde você está? Tá tudo bem? Quer que mande um resgate? A vó foi atrás de você, em uma praia de nudismo…”. Era a Galheta.

Parei na primeira barraca e enquanto tomava um refrigerante e comia um sanduíche natural (meus suprimentos haviam acabado há horas) um casal se aproxima: “Jeff! A gente está louco atrás de você!”. Eu estava bem. Não havia me perdido: apenas não havia conseguido voltar. Havia ficado encalacrado. Não tinha, até então, a mínima ideia do desespero que tomou conta da minha família.

Minha esposa estava um pouco mais adiante na praia, já combinando um resgate com os salva-vidas. Caiu no choro quando me viu. Minha filha me deu um sermão quando nos encontramos. Minhas netas ficaram assustadas. O projeto da volta à ilha, eu vi, morria ali.

E tudo isso poderia ter tido um final feliz se eu tivesse levado o meu SPOT X. Era apenas enviar um SMS avisando que estava bem, não estava perdido, que iria passar a noite olhando o céu e ouvindo o mar e que me esperassem para o almoço que eu iria chegar. Uma mensagem. Era só isso que eu precisava. E só o meu SPOT X poderia fazer isso por mim. Logo ele, que eu deixei em casa porque achei que não fosse precisar.



Como diria o grande filósofo Rogerinho do Ingá, do Choque de Cultura: “achou errado, seu otário!”.

Ah, SPOT X, a falta que você me fez…
 
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